14°FEIRA DO ESTUDANTE 2011

14°FEIRA DO ESTUDANTE 2011
LUCIA GAMBARINI

quinta-feira, 10 de março de 2011

LI E RECOMENDO

FOBIAS
Por Luis Fernando Veríssimo

Não sei como se chamaria o medo de não ter o que ler. Existem as conhecidas claustrofobia (medo de lugares fechados), agorafobia (medo de espaços abertos), acrofobia (medo de altura) e as menos conhecidas ailurofobia (medo de gatos), iatrofobia (medo de médicos) e até a treiskaidekafobia (medo do número 13), mas o pânico de estar, por exemplo, num quarto de hotel, com insônia, sem nada para ler não sei que nome tem. É uma das minhas neuroses. O vício que lhe dá origem é a gutembergomania, uma dependência patológica na palavra impressa. Na falta dela, qualquer palavra serve. Já saí de cama de hotel no meio da noite e entrei no banheiro para ver se as torneiras tinham "Frio" e "Quente" escritos por extenso, para saciar minha sede de letras. Já ajeitei o travesseiro, ajustei a luz e abri uma lista telefônica, tentando me convencer que, pelo menos no número de personagens, seria um razoável substituto para um romance russo. Já revirei cobertores e lençóis, à procura de uma etiqueta, qualquer coisa.
Alguns hotéis brasileiros imitam os americanos e deixam uma Bíblia no quarto, e ela tem sido a minha salvação, embora não no modo pretendido. Nada como um best-seller numa hora dessas. A Bíblia tem tudo para acompanhar uma insônia: enredo fantástico, grandes personagens, romance, sexo em todas as suas formas, ação, paixão, violência, - e uma mensagem positiva. Recomendo "Gênesis" pelo ímpeto narrativo, "O cântico dos cânticos" pela poesia e "Isaías" e "João" pela força dramática, mesmo que seja difícil dormir depois do Apocalipse.
Mas e quando não tem nem a Bíblia? Uma vez liguei para a telefonista de madrugada e pedi uma Amiga.
- Desculpe, cavalheiro, mas o hotel não fornece companhia feminina...
- Você não entendeu! Eu quero uma revista Amiga, Capricho, Vida Rotariana, qualquer coisa.
- Infelizmente, não tenho nenhuma revista.
- Não é possível! O que você faz durante a noite?
- Tricô.
Uma esperança!
- Com manual?
- Não.
Danação.
- Você não tem nada para ler? Na bolsa, sei lá.
- Bem... Tem uma carta da mamãe.
- Manda!

Do livro Banquete com os deuses: cinema, literatura, música e outras artes. Rio de Janeiro: Objetiva, 2003 pág.97/98


Neste livro, o escritor gaúcho divide com o leitor 73 crônicas divertidas, ternas e peculiares sobre sua relação com a arte e a cultura. Em suas aventuras literárias, o autor cria em 'No céu' uma hilária e inusitada conversa entre o descrente Italo Calvino, Jorge Luis Borges e Nabokov enquanto bebem um chá. 'Banquete com os deuses' reúne textos assim - Lembranças do menino sensível e seu deslumbramento diante da magia da grande tela; Confissões de um cinéfilo entusiasta, falando dos filmes, astros e estrelas que marcaram sua vida; Impressões do leitor voraz ao longo de suas aventuras literárias; Devaneios de um amante da música, melodiosos como um bom improviso de jazz. Truffaut, Fellini, Chaplin, Flaubert, Marquês de Sade, Miles Davis, Cartola, Chico Buarque, Chet Baker, Salvador Dali estão todos estão neste livro em que Verissimo celebra suas grandes paixões e faz do leitor um convidado especial.

GRUPO 6

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